Entrada dos Alunos Condicionais no 1º Ciclo
A transição de uma criança para o 1º ciclo envolve sempre uma grande mudança quer para a própria criança como para os pais e/ou encarregado de educação. É um mundo novo e desconhecido e, portanto, como em todas as situações novas e desconhecidas existe o receio de sair da «zona de conforto».
Antes de mais, importa salientar que (quase) nunca é uma decisão fácil e que depende de vários fatores. Em primeiro lugar, surge a legislação portuguesa, que dita que todas as crianças que completem 6 anos até 15 de setembro devem ingressar obrigatoriamente no 1º ciclo, salvo casos excecionais (de acordo com o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, no ponto 2 do art.º 19, as crianças com necessidades educativas especiais de caráter permanente podem, em situações excecionais devidamente fundamentadas, beneficiar do adiamento da matrícula no 1º ano de escolaridade obrigatória, por um ano, não renovável ). Contudo, para aquelas crianças que nasceram entre 16 de setembro e 31 de dezembro (os chamados “alunos condicionais”), a inscrição no 1º ciclo pode ser feita, mas a entrada não é obrigatória. Nestas situações, caso não exista vaga na instituição de ensino, a criança entrará no ensino primário no ano posterior. Importa referir que são os próprios pais/encarregados de educação que decidem se querem efetivar esta inscrição ou não, podendo optar por não matricular a criança no ensino primário.
Em segundo lugar, importa ter em conta o nível de desenvolvimento global da criança em áreas específicas, nomeadamente, a Linguagem: mais propriamente as capacidades de compreensão, expressão e consciência fonológica, que mais não são do que a competência em compreender o meio envolvente, expressar desejos e opiniões e perceber o que são rimas, fonemas e que as palavras podem dividir-se em silabas. A eliminação destas dificuldades ao longo do período pré-escolar é um preditor importante para o sucesso da aprendizagem escolar.
Outras áreas de relevo são o desenvolvimento das competências psicomotoras, percetivas (auditivas e visuais principalmente), cognitivas e Comportamentais. É importante que a criança detenha já o conhecimento/identificação do esquema corporal, diferenciação direita/esquerda, orientação temporal e espacial, desenvolvimento da motricidade global e fina, mecanismos atencionais, memória e automonitorização comportamental. Estas competências são fundamentais para o processo de aquisição e automatização da leitura e escrita, no que respeita à discriminação gráfica das letras e na aquisição de conceitos matemáticos, bem como na manutenção do interesse por novas aprendizagens, resiliência e adaptabilidade a uma nova realidade.
A par das competências cognitivas, percetivas, motoras e comportamentais, a criança deve ter um grau de maturidade emocional adequado, isto é, deve estar preparada para o nível de exigência do 1º ano do 1º ciclo. É importante que veja a escola como algo positivo, como um local sinónimo de novas aprendizagens e aqui o suporte familiar tem um papel fundamental. Se assim for, certamente que o processo de alfabetização será muito mais fácil.
Importa referir que a maturidade emocional está intrinsecamente ligada às competências socioemocionais, que envolvem a capacidade em aceitar/seguir regras, saber trabalhar em grupo, conseguir esperar pela sua vez, ter iniciativa própria, saber lidar com a frustração, já que vão ser confrontadas com o erro ou com o insucesso várias vezes.
Salienta-se que, como toda a mudança, a entrada no 1º ciclo vai exigir tempo e esse tempo dependerá de criança para criança. O adulto deve saber gerir as suas próprias expetativas e tentar não transmitir as suas inseguranças e receios à criança.
É fundamental que os pais tomem uma decisão com base nas características individuais e no perfil global de desenvolvimento da criança e não que cedam às exigências ou pressões da sociedade. Cada criança tem o seu próprio ritmo de desenvolvimento e é certo que algumas estão preparadas para ingressar no 1º ciclo ainda com 5 anos, mas existirão outras que terão maiores benefícios ao nível do desenvolvimento se permanecerem mais um ano no pré-escolar e assim promoverem a maturidade emocional e de competências cognitivas.
Os educadores de infância poderão dar um feedback mais real sobre a preparação da criança para a entrada ou não no ensino primário. Pode também recorrer a uma avaliação das pré-competências feita por especialistas na área (normalmente feitas por psicólogos, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais/psicomotricistas).
[1] Diário da República n.º 4/2008, Série I de 2008-01-07, páginas 154 – 164
Manuela Páris
Psicóloga | CP nº 18677
03 de maio de 2024